549 Palavras
Durante uma noite de luxúria, enquanto dormia ao lado de duas meretrizes, Salyr, deus dos homens, veio até mim em visões. Era um senhor altivo, de vestes longas e olhar profundo. Disse-me: 'faz o bem sem pedir nada em troca, e o bem terás em troca. Faz o mal sem pedir nada em troca, e o mal terás em troca'.
Eu, que nunca havia me dado a chance de ser um homem religioso, acordei assustado, mas fiz pouco caso do sonho que tivera. Despertei as duas mulheres e brincamos por mais algum tempo – fiz valer a alta quantia que gastei naquela noite – e fui-me embora para meu trabalho.
Passei por uma colônia de shabets no meu percurso. É incrível como os homens dessa etnia conseguem viver em meio a tanta pobreza sem nem ao menos reclamar. Pergunto-me se Salyr realmente enraiveceu-se tanto desse povo a ponto de amaldiçoá-lo eternamente, como dizem as lendas do Livro da Iluminação. Poderia tanta fúria se aplicar a um povo que aparentava tanta fragilidade e tristeza?
Lembrei-me de minha visão quando vi um menino sendo espancado. Era franzino, não mais de oito anos, já cheio de escaras pelo corpo moreno, moscas sobrevoando seu cabelo sujo e seboso. Encolhia-se enquanto cerca de seis ou sete outros garotos – esses mais velhos, entre doze e quinze anos – o chutavam e riam, gritando maldições e injúrias. A rua, no princípio da manhã, estava completamente deserta.
- Maldito! – gritou um deles para o garotinho. – É por conta de pessoas como tu que Salyr amaldiçoou a todos nós! Porco imundo, criatura maligna!
E batiam-no, enfiavam-lhe a cara na lama, mordiam-no e cuspiam em seu rosto. Eu via de longe, embasbacado com a cena. Como podiam ser tão covardes? E o menino, como podia ser tão passivo?
Corri até onde as crianças brigavam, sujando meus sapatos de lama e ficando cada vez mais tonto com o cheiro ao qual nunca me acostumaria.
- Parem com isso, seus covardes! – gritei, puxando o menino da poça de lama para perto de mim. – Não têm vergonha do que fazem, seus monstros? O menino está quase morrendo!
- Pois é o que ele merece, senhor! – disse um dos meninos, quando todos os outros olhavam para mim assustados. – Essa criatura não passa de uma maldição em nossas vidas!
- Vão embora, deixem-no em paz! – eu gritei, espantando as crianças. – Vão-se daqui, pestes!
Eles obedeceram, o menino que falara comigo com ódio no olhar.
Levantei o garoto sujo de lama, obrigando-o o falar.
- Por que eles fizeram isso contigo? – perguntei.
- Porque sou um demônio. – ele respondeu, a voz fraca.
- Ora, deixe de besteiras! – eu disse. – Não acredite no que esses meninos falam de ti! Vá agora para casa, antes que eles voltem!
- Eu acabaria com eles se meu mestre permitisse. – ele me respondeu, no mesmo tom choroso e cabeça baixa. – Ele ficará feliz em saber que um humano é meu aliado.
Com isso uma luz branca e ofuscante acendeu-se – tinha a intensidade de dez mil estrelas unidas em uma só – e o menino desapareceu.
Deixei-me ficar ali, de olhos arregalados e boquiaberto. Demorei a processar as informações, e quando consegui, as palavras de Salyr reverberaram em meus ouvidos. Temi as consequências: afinal, receberia o bem ou o mal em troca de meus atos?
11:11
MINICONTO - Atos e Consequências – Lucas De Lima Rocha
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4 comentários:
Gostei muito da ideia, criativa! parabéns, Lucas!
Gostei da ambientação e do final dúbio, afinal foi uma boa ou má ação???... :)
O conto ficou bem desenvolvido... :)
Uma única observação: 'processar as informações' é muito FC, destôo do resto da ambientação
Um conto diferente, com um começo diferente, e uma conclusao muito, muito boa! A duvida ganhou realmente lugar ali. Muito bom!
votei neste
Lucas, acho que você não percebeu, mas a falta de um "eu" no primeiro parágrafo deu a idéia que o "deus dos homens" é que dormia com as duas meretrizes. :)
Fiz uma busca no Google Imagens para saber se os shabets realmente existiam e que surpresa: eu sou um shabet! Afinal, minha foto foi a primeira indicação que apareceu!
Não foi só o protagonista que ficou em dúvida... eu também fiquei. Afinal ele fez o bem ou o mal? Uma boa idéia, e bem executada!
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