522 palavras

Em um mundo distante, para além de onde habitam os deuses do universo, vivia um povo orgulhoso, forjado por guerras sem fim e temperado entre as passagens do sol escaldante e da lua gélida. Caçadores e guerreiras de olhos impiedosos e altivos. Senhores de uma terra formada pelo corpo de seus ancestrais e sedenta do sangue de seus inimigos. Terra que vibrava em seu corpo e sob seus cascos. Seus nervos eram os nervos da terra, a qual se ligavam por duas linhagens nobres e zelosas. Para frutificar na terra, um pai recebia o marido de sua filha em sua casa e seu grupo de caça, e os filhos de sua filha retornariam à casa do pai onde receberiam seus nomes de guerra.
Da casa real, no tempo das chuvas, nasceu Yth, pele, pêlos, crina, cascos, olhos dourados. Nenhuma marca das terras de seu pai. Bastardo de corpo incompleto, sem nome de guerra. E, no tempo das secas, nasceu Gerbjas, filha perfeita de duas linhagens, rajada e radiante. Yth, sem nome e sem arco, refugiou-se na penumbra e na magia. Gerbjas, bela e forte, voltou-se para Yth. Quando os grupos cavalgaram as savanas em expedições de caça e empresas de guerra, os irmãos se encontraram na luz pálida do ocaso e fizeram amor sobre a relva. Seus suores e seus gozos tocaram a mesma terra que abrigava os corpos de seus pais e mães, e os pais e mães deles. Seus ancestrais beberam seus humores e a terra tremeu de fome. Nesse momento, todos os arcos e todas as lanças erraram seus alvos, e a altivez deixou o povo da terra. As caças se reagruparam em fúria, crescendo contra os caçadores. Os outros povos daquele mundo sobrepujaram os cascos dos guerreiros que tentavam fugir em disparada, e muitos caíram, pisados pelos cascos de seus próprios irmãos. A relva ondulava ao vento, jubilosa em seu grito canibal. O sangue que bebia aosjorros era seu próprio sangue.
A terra devorou suas próprias crias por muitos dias e noites, até que os poucos sobreviventes se encerraram em um círculo de fogo, pedindo a proteção de longe. Yth ouviu o chamado e o atendeu, oferecendo seus conhecimentos e sortilégios, e foi saudado como aquele que os poderia salvar da fome de seus ancestrais, que não eram os dele. Mas, quando Gerbjas também retornou, carregando no olhar a sombra do incesto e no relinchar ainda a satisfação pelo crime hediondo, os filhos da terra compreenderam a fonte de sua desgraça e lançaram um último grito de guerra.
Os dois irmãos foram caçados e amaldiçoados. Em sua fuga, Yth cantou feitiços e rasgou a placenta de um novo universo, que não havia aprendido a crescer. Yth ensinou ao novo universo as formas do tempo, o passado, o presente, o futuro, o jamais e o sempre. Gerbjas ensinou-lhe as distâncias, cavalgando por suas novas linhas e saltando por suas estrelas. Gerbjas e Yth foram os primeiros pais do novo universo, este que é nosso lar. A eles juntaram-se outros deuses, vindos de lugares ainda mais distantes, para disputar as novas terras.

Oceano
Logo mais, na porta de sua casa.

9 comentários:

Aguinaldo disse...

- isso não é história para um miniconto, é para uma trilogia...
- muita história para pouca escrita acabou ficando com cara de resumão...

Ana Lúcia Merege disse...

Prosa vigorosa, com imagens por vezes impressionantes, mas parece, realmente, o prelúdio a um texto mais longo. Ou então um relato mitológico, também inserido em um texto ou constante do apêndice de uma obra de fantasia. Ainda assim, pode caber mum conto, só que mais longo e escrito de forma mais pausada, num ritmo menos atabalhoado.

ABELARDO disse...

Poético em alguns instantes, bem contado e com uma história que pode render mais do que somente um conto. Uma novela ou noveleta não faria feio diante da bem idealizada história.

Marcelo Bighetti disse...

Ana Letícia, sua prosa nos transporta aos seus universos mas no final ficamos com aquele gostinho de quero mais, não apenas em uma eventual continuação mas também em maiores detalhes do "clima" já apresentado.

Alvaro Domingues disse...

Outro bom resumo, este de no mínimo um romance...

Unknown disse...

Eu achei excelente e apropriado. Uma narrativa épica digna de se ouvir sentado em torno de uma fogueira à noite da boca dos anciões, quando se é um filhote de alguma espécie mítica.
Perfeito.

DanielFolador disse...

O conto pode render sim um romance, mas não acho necessário. Pode muito bem se encaixar num relato mitológico, e se fechar em si mesmo. Só o final ficou muito corrido, e não entendi a última frase sobre o oceano.

Lucas L. Rocha disse...

Nossa, eu fiquei um pouco confuso com o conto. Tive que reler algumas partes para conseguir entender a mensagem - o que não é legal em nenhum tipo de texto - e achei a narrativa pesada demais para um texto tão curto. As imagens são belas, mas a utilização das palavras poderia ser um pouco mais simples - às vezes, menos é mais.

Angela Nadjaberg Ceschim Oiticica disse...

A fantasia pode ter continuidade e se transformar num romance sim. Gostei.

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