541 palavras

BELEZA: s. f. Qualidade do que é belo; mulher bela; formosura; coisa bela;
bondade; excelência; coisa muito agradável. (De belo.)

A cidade despeja dejetos sobre mim. Está em toda parte: nas calçadas,
sobre a forma de animais e alimentos apodrecidos; nos jornais, televisões e
livros, como lixo cultural - o pior e mais vil de todos; dentro de nós
mesmo, crescendo e tomando forma, transformando-nos em produto de nosso
meio. Não consigo me animar ao perceber como todos se conformam com tamanha
degradação. No topo dos arranha-céus o cheiro não chega: tudo é muito bem
maquiado por desodorantes e perfumes baratos; nos conglomerados
habitacionais o cheiro já faz parte da vida. As gerações mais novas não
sabem o que é a ausência dele.
Dos poucos inconformados, creio que sou um dos únicos que não se resume a
escrever manifestos em meu apartamento. Não. Eu vou às ruas, olho nos olhos
da decadência e só então sento na cadeira para escrever algo.
O que escrevo hoje pode parecer, no mínimo, estranho. Vi beleza. Esse
substantivo que há tempos encontra-se apenas nos dicionários mais antigos e
que apenas os de idade avançada sabem explicar o que é. Vi luz em meio às
trevas e me surpreendi.
Aconteceu enquanto fazia mais uma de minhas andanças pelos becos dos
conglomerados habitacionais. As mulheres brigavam e conversavam, as crianças
sujas corriam por entre as poças de água e doenças; os homens bebiam nos
bares e riam às alturas, enquanto outros quebravam o meio-fio com marretas e
suavam no calor do sol. Não me fazia perceber: andava com roupas suburbanas,
assobiando cantigas de tempos antigos, as mãos nos bolsos e a barba por
fazer. Sequer desconfiavam de minha formação acadêmica ou de minhas visitas
analíticas. Muitos sequer sabiam o que era análise.
Então a vi: correndo entre os moleques, tão suja quanto os outros. Uma
menina de cabelos lisos e escuros, pele cor de madeira e olhos puxados. Vi
pessoas assim uma vez na gravura de um livro velho. Chamavam-se índios. Na
certa, a menina era uma descendente de tal etnia. Sorria e gritava enquanto
corria atrás de uma bola plástica, numa despreocupação típica dos pequenos.
Tentei ignorá-la, mas sua beleza estonteante me incomodava: o que diabos
aquela menina havia feito para estar ali? Do bar, sempre a fitava,
inconformado. Como a vida pudera ser tão mesquinha com ela, uma simples
criança? Enquanto estalava os dedos, pensei em como a vida dela seria
difícil. Tanta beleza na certa não era uma dádiva, não naquelas condições
degradantes. Era uma maldição.
A paz só seria encontrada no descanso eterno, pensei comigo mesmo. Não
havia alternativa, por isso tente compreender os motivos de meus atos.
Quanto tempo demoraria até ela ser estuprada ou se transformar em mais uma
garota de programa? Ou que se consumisse naquele lixo e achasse que sua
beleza era por algum motivo errada? Por mais que aquilo me doesse, sabia que
era minha obrigação manter aquela alma intacta. Não sei se me compreenderá
nem se achará minha decisão correta. Mas não me arrependo do que fiz. Sei
que o bem, às vezes, vem mascarado como maldade. Disto, cabe a interpretação
pessoal de cada um.
Sinto que fiz o que deveria ser feito. Estou em paz comigo mesmo.

4 comentários:

ABELARDO DOMENE PEDROGA disse...

Lucas, um texto denso, cheio de reflexões bem escrito. Faltou algo no entanto. O que seu personagem fez? O que ele é? E ao meu ver onde está a FC/FANTASIA/TERROR no texto? Enfim uma boa obra, mas para esse leitor ela primeiro não se enquadra em nenhum dos gêneros a que se dedica a FS e depois não responde as perguntas fundamentais que a própria obra faz, sendo assim o leitor fica perdido e tem de tirar suas próprias conclusões, que podem muito bem não ter nada a ver com aquilo que em verdade foi a intenção do autor.

Aguinaldo disse...

Assustador o conto... O_O
Redondinho... e a narração em primeira pessoa ajudou...

Leo Carrion disse...

Eu gostei do texto, boa execução e idéia. Continue assim, escrevendo e aprimorando o estilo. Eu senti alguma "gordura", algumas passagens que dá para cortar e uma ou outra frase q vc pode escrever com termos mais interessantes, substituindo lugares-comuns como "beleza estonteante" e outros do tipo por palavras mais suas. Mas são aperfeiçoamentos que vc fará fácil, o mais complicado vc já tem.

Anônimo disse...

Perfumes baratos em arranha-céus? Nao combina.. Gostei do final, mas ate chegar aí o texto é pouco fundamentado. Falta profundidade no personagem principal.

Postar um comentário