499 palavras

Runia despertou, mais uma vez, ao ouvir o ranger característico da porta da
frente.
Olhou pela janela e lá estava a irmã de novo, caminhando sorrateira na noite
alta, com o mesmo sobretudo de capuz de todos os dias a lhe encobrir o
rosto. Sob a intensidade da lua azul, Riana rumava célere à casa de pedra,
tão silenciosa quanto os galhos secos da estradinha lhe permitiam ser.
A mesma dúvida batucou na cabeça de Runia: o que será que vinha tirando
Riana de casa depois que todo mundo dormia?
Ela resolveu checar. Levantou-se cautelosa e pisou bem devagar nas tábuas
mal pregadas, evitando mais ruídos despertadores. Meta impossível, contudo.
O chão rangeu todas as vezes em que ela pisou sobre ele. Sua sorte é que o
pai deveria estar babando no chão do quarto àquela hora, nocauteado pelos
canecos de cerveja preta da taberna.
Mesmo assim, ela se manteve o mais quieta possível até fechar a barulhenta
porta da frente. Sentiu o chão úmido de orvalho e respirou fundo o odor
delicioso dos eucaliptos. Por breves segundos sentiu vontade de ficar ali
mesmo, na confortável zona proximal da sua casa, mas abafou o medo e
continuou.
Ao se aproximar da construção anexa, ouviu sons guturais ininteligíveis
entremeados por sons metálicos. Assustada, ela olhou bem em volta e se
certificou - sim, era de dentro da casa que vinha o som.
De repente, ouviu um estampido seco e um clarão enceguecedor saiu por todas
as frestas e buracos das paredes, seguido por um grito agudo e longo. A luz
branco-esverdeada, tal como brilhou, se extinguiu. Logo depois, um cheiro
azedo se misturou ao cheiro intenso do eucalipto.
Runia entrou porta à dentro, afobada. Mas estacou subitamente, diante do que
seus olhos insistiram em enxergar.
Dentro da casa, deitada na cama de palha, Riana tinha nos braços um bebê
minúsculo, ainda cheio de vérnix caseoso e os membros desproporcionalmente
longos tinham ventosas ao invés de unhas. A sua pele enrugada era de um
branco reluzente e a cabeça era alongada, cheia de tufos de penugem loura.
Seus diminutos olhos violetas observavam tudo com tamanha curiosidade que
Runia quase acreditou que ele era um bebê de verdade, apesar da feiúra
evidente.
Mas não era.
Ao lado de Riana, ajoelhava-se uma criatura similar ao bebê de mais de dois
metros de altura. Ele conservava aos seus pés uma enorme bola esponjosa
multicor que refletia a luz tépida dos lampiões. A estrutura estava meio
aberta e exalava o mesmo cheiro azedo que lhe chegou às narinas antes. Tinha
sido dali que o vermezinho tinha emergido.
'O que é isso, Riana?', sussurrou Runia incrédula.
'Meu filho", respondeu Riana sorridente. 'Ele não é lindo?'
Ela não conseguiu se conter. Avançou para sufocar a criança, mas o protetor
se levantou e Runia percebeu que tinha ficado presa entre dois mundos, sem
ao certo saber como.
Viu a irmã, visivelmente emocionada, oferecer o seio às ventosas da
criatura.
E, impotente, assistiu à irmã alimentar o monstro até murchar.

4 comentários:

ABELARDO DOMENE PEDROGA disse...

Normalmente não sou grande fã de contos de Terror, mas devo admitir que até que gostei deste. Bem construído, duas personagens com nomes parecidos, as vezes isso pode dar confusão na mente do leitor. Também não entendi direito o clarão. É a hora em que nasce o bebê? Há mais algumas perguntas, mas de maneira geral achei um bom texto.

Aguinaldo disse...

A historia é boa, mas o final poderia estar melhor trabalhado... ficou abrupto demais...
O mini está desequilibrado, o começo está muito (e bem) trabalhado e o final ficou corrido...

Leo Carrion disse...

Boa estréia! Os nomes parecidos são um pouco confusos mesmo, mas entendi a lógica da coisa: para reforçar a idéia de serem irmãs. Vc precisa ainda pegar o jeito de escrever em apenas 550 palavras. Uma dica é escrever o quanto quiser e depois equilibrar o texto fazendo os cortes. Há alguma gordura na parte inicial, como a referência ao pai que não é essencial. Mas foi ótimo.

Anônimo disse...

Olá, Jaqueline, tudo bem?

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