545 Palavras

- Quanto está o jogo? – perguntou o guarda que saia do vestiário, pronto a assumir o turno.

- Esse joguinho? Zero a zero. E acabou de entrar no intervalo... – respondeu o outro guarda, mais velho, sentado à mesa do refeitório. Já começava a zapear pelos canais com o controle remoto, quando parou em um noticiário que falava do zoológico.

- Viu esse absurdo que aconteceu hoje cedo? – perguntou, enquanto tomava um gole de café.

- Fiquei sabendo! Deixa ai, quero ver como foi.

"...e um cinegrafista amador registrou o momento em que a arquiteta Adelaide Campos pulou na jaula dos gorilas, para resgatar seu filho de 5 anos", informava o âncora do telejornal. "Os demais visitantes não conseguiram deter a mãe desesperada".

- Meu Deus... – murmurou o guarda mais jovem.

E continuou o âncora:

"O momento mais dramático foi quando Idi Amin, o único gorila macho da jaula, correu em direção à jovem mãe e seu filho. Apavorada, a arquiteta começou a gritar e fazer gestos estranhos, similares aos de um primata, deixando o gorila confuso. Surpreendentemente, duas gorilas fêmeas se aproximaram dele, levando-o de volta à gruta da jaula."

- Esses gorilas são tão dóceis... Aposto que não fariam mal a uma mosca! – concluiu o guarda.

"Fora as escoriações da queda, mãe e filho passam bem. No hospital, a arquiteta afirmou que não lembra muito bem o que aconteceu no zoológico e que simplesmente agiu por impulso. Disse também que 'instintos maternais primitivos' pareciam guiá-la."

"E um fato curioso", finalizava o âncora: "Idi e as duas gorilas, Dadá e Cleópatra, participaram, juntamente com o famoso gorila Virgulino, de um polêmico projeto do Centro de Pesquisas Científicas de Belo Horizonte, sobre desenvolvimento neural nanotecnológico. Entretanto, somente Virgulino respondeu positivamente aos experimentos e continua ainda hoje sendo estudado pelos cientistas. Os reprovados Idi, Dadá e Cleópatra voltaram à antiga função de atrações do zoológico.

- Vou colocar no jogo... – respondeu o guarda mais velho, zapeando novamente os canais.

- Não, deixa no documentário sobre animais! Os gorilas vão gostar...

- Tem TV na jaula?

- Você não sabia? Os cientistas acabaram deixando lá, quando levaram Virgulino.

* * *

- Francamente, Idi, que macacada você fez hoje! – reclamou Dadá, numa linguagem própria, secreta, que não parecia com a humana e menos ainda com a dos primatas.

- Só queria ver se o filhotinho humano estava bem...

- Claro! Como se um brutamonte como você não fosse assustar toda aquela gente! E nós ainda tivemos que segurá-lo! Não percebeu o risco que corremos?

- É isso mesmo – disse Cleópatra, a outra gorila. - Depois do que aconteceu com Virgulino a gente não pode se descuidar, amor!

- "Amor"? – zangou-se Dadá - Pelo que sei, ele é "meu" amor!

- Ora, você sabe muito bem que gorilas têm mais de uma esposa!

- Gorilas comuns, minha cara! Não um gorila mentalmente evoluído como Idi. Aliás, com um cérebro muito mais evoluído do que o daquele convencido do Virgulino, que a essa altura já deve ter sido dessecado pelos cientistas!

- Que grosseria! Não fale assim de Virgulino, sua macaca insensível! – esbravejou Cleópatra.

"Vai começar tudo de novo", pensou Idi sentado em frente à TV, fingindo ignorar a discussão. "Bem que aqueles guardas idiotas podiam colocar no jogo novamente..."

4 comentários:

José Alexandre disse...

Gostei do conto...divertido....

Carlos Relva disse...

Muito obrigado, José Alexandre! :)

ABELARDO DOMENE PEDROGA disse...

Divertido, bem escrito, interessante. Só falta definir para qual time o Idi Amin torce. Gostei.

Aguinaldo disse...

Excelente conto, apresenta uma história extraordinária de forma tão banal... :)
Está bem desenvolvido, mas o dialogo final entre os gorilas não me convenceu... me soou forçado...

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