548 palavras


Alucinógenos? Viagens astrais? Abduções?


O fato é: Sérgio era um absoluto cético. Para ele real era o que ele podia tocar, cheirar, ouvir e assim era o Sérgio.


Convidei-o um dia a provar a poção mágica da Alzira. Ele me olhou zombeteiro, e em tom de mofa repetiu:


-Poção mágica? O que é isso, cara.


- Estou falando sério. A Alzira só cozinha aos domingos. Não sei que ingrediente usa naquela feijoada, mas o fato é que coisas estranhas acontecem sempre depois do almoço.


-Indigestão, talvez? Não acredito em bruxas, mas é bom levar sal de frutas.


Ninguém nunca soube em que Alzira trabalhava. O fato é que levantava cedo todo dia, pegava o ônibus e só voltava à noitinha. Uma vez lhe perguntei, ela desconversou.


Vizinhos diziam que em noites claras viam sombras voando e aterrissando ao redor da casa dela. Não acredito em nada disso. Nem nos ruídos malignos que diziam ouvir altas horas.


Alzira era um doce de pessoa, não faria mal a ninguém. Não fora dotada de beleza física, mas era um coração generoso. E só cozinhava aos domingos.


Consegui finalmente arrastar o Sérgio na semana passada. Chegamos ao meio dia em ponto. A cachaça já estava sobre a mesa, uns petiscos arranjados em pratinhos.


Três colegas do serviço e mais uma amiga da Alzira já estavam lá. Amiga estranha aquela, parecia que tinha um olho para cada direção, nunca se sabia para onde ela estava olhando.


A feijoada veio farta. Dizem que feijoada é comida herdada pelos habitantes das senzalas, africanos muito versados em magias e superstições. O Sérgio ria delas.


Comemos a feijoada. O Sérgio se empanturrou. Depois do almoço, naquela hora em que os pensamentos parecem querer adormecer, a Nilda levantou e começou a executar uns passos de dança. Nenhum de nós prestava muita atenção, parecia que estávamos atados às nossas cadeiras como se estivéssemos amarrados.


Sérgio parecia nauseado, quis levantar, mas visivelmente não conseguiu. Eu estava muito amortecido para conseguir ajudá-lo. Uma fumaça azulada começou a preencher o ambiente. A Alzira apareceu com um cocar de penas acompanhando a Nilda na dança que parecia cada vez mais macabra.


Eu não conseguia perceber se sonhava, estava drogado ou se algum ente maligno me corroia as entranhas. Alguma azia talvez. Mas algo além. Nossos outros três colegas haviam sumido, eu apenas via o Sérgio babando e sorrindo tolamente. Depois vi a mim mesmo profundamente adormecido e totalmente amarrado numa cadeira.


As duas dançavam ao meu redor e me lançavam uma série de sortilégios. Depois se dirigiram ao Sérgio. Nilda subiu como um duende sobre o peito dele que arfava. Ele parecia ter dificuldade para respirar. Então ela abriu bem a sua boca e de lá do fundo do meu amigo puxou algo como um véu muito tênue. Depois disso Sérgio adormeceu como um bebê.


Não me perguntem como acordei na segunda feira na minha cama. Nem como Sérgio acordou no meu sofá da sala cercado de vômito. O fato é que corremos para o trabalho no meu carro, Sérgio nem lembrava onde havia deixado o dele e estávamos atrasados.


Na empresa descobrimos que nossos três colegas haviam faltado, certamente com problemas de estômago. Depois soubemos que haviam viajado para destino incerto.


Poção mágica?


Sérgio se tornou reticente, prefere não falar no assunto.

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