497 palavras


A pequena Audrey há dias que não saía do quarto. Sua mãe, preocupada, batia à porta e acabava por deixar a comida numa bandeja. À noite a porta se abria sorrateira e a bandeja sumia, voltando vazia pela manhã. A mãe, desolada, apenas afastava-se e ia para sua lide diária.


Dentro do quarto, às escuras, Audrey misturava as cores do arco-íris, o perfume das noites de verão, folhas douradas de outono e outros ingredientes que tais. Como o fazia apenas ela em seus sonhos sabia. Os ventos do ártico e o canto das cigarras em noites de verão giravam por sobre sua mesa de ferramentas estranhas.


Provou da estranha poção no seu gato e ele gemeu numa estranha careta.


-Ainda não completei os ingredientes – a menina, compenetrada, pensou consigo mesma.


- Audrey, abra a porta – sua mãe chamava em vão.


- Ainda não, mãe. Estou terminando a tarefa.


Audrey sempre foi fascinada por metafísicas experiências, porém nem sempre bem sucedidas. Menina solitária pouco afeita a amizades efêmeras convivia apenas com a mãe e a avó num sobrado de dois andares ao topo de uma colina. O gato Felício era seu companheiro fiel nos passeios matinais e nas misteriosas incursões noturnas por reinos sequer imaginados.


As brisas de outono giravam mais rapidamente subindo até o teto coberto de estrelas brilhantes de papel. A noite ia avançada, lá fora a lua cheia fazia refletir no quarto quase escuro os pequenos pontos. O teto quase parecia uma abóbada celeste. Uma a uma, ela havia colado as estrelinhas que brilhavam ao se apagar as luzes.


Lentamente uma suave fragrância lembrando flores exóticas do oriente, mágicos licores de terras distantes se evolava do material dourado que se formava centímetros acima da mesa.


O gato miou suavemente se aproximando de Audrey, enovelando-se sinuosamente entre suas pernas. Elevava o frágil focinho para o ar, sacudindo suavemente seus bigodes felinos.


- Estou chegando lá – Audrey pensou desta vez. Será que vou conseguir? E se não conseguir?


Uma melancolia suave a invadiu, duas lágrimas salgadas pingaram sobre a névoa dourada. Lágrimas suaves e sentidas de experiências anteriores mal sucedidas.


Lentamente a névoa dourada tomou matizes suaves e Audrey viu reluzirem as cores do arco-íris juntamente com o dourado do sol, o prateado da lua, o incolor dos ventos e todas as tonalidades dos mares. Longínquos astros enviavam silenciosos suas radiações de outras eras.


Seu coração disparou, o gato sumiu sob a cama, Audrey sentiu um calafrio percorrer seu pequeno ser. A névoa cresceu e suavemente a envolveu. Audrey levitou por alguns instantes. O intenso perfume, o melhor do mundo, levou-a a ter certeza de que tinha descoberto desta vez.

Pela janela de seu quarto soprava a brisa de verão carregada pelo cintilar dos vaga-lumes. Decidida, a menina saltou pelo quadrado aberto sobre o espaço. Aureolada por todas as cores do espectro, a pequena Audrey flutuou como se pudesse alcançar a luz das estrelas.


Alguns acreditam em bruxas ou fadas. Audrey, não. Apenas na força do pensamento.

0 comentários:

Postar um comentário